A filha perdida
- marietamadeira
- 25 de mar. de 2022
- 2 min de leitura
o filme
Direção de Maggie Gyllenhaal - Netflix

Imagem de divulgação
Uma mulher de 46 anos chega, sozinha, a uma praia. Senta-se numa cadeira, aproveita o silêncio e a calma quando uma família numerosa e barulhenta toma conta do ambiente. Em seguida, dois homens do grupo pedem a ela que se desloque do seu lugar para que eles possam espalhar-se melhor. Ela recusa. Eles ficam perplexos, perguntam a razão de sua negativa. Note-se que eles têm toda a praia para se refestelar, mas querem estar ali, onde a solitária está. Querem que ELA saia do SEU lugar, que ELA ceda espaço para eles. Afinal, ela está sozinha. E é uma mulher. Mas ela não cede.
(se Leda estivesse com um homem na praia, pediriam que mudassem de lugar? e se fosse um homem sozinho? Por que é tão fácil pedir que uma mulher sozinha mude de lugar, do SEU lugar?)
A cena da praia é uma das primeiras de A filha perdida, adaptação de Maggie Gyllenhaal do romance homônimo de Elena Ferrante. Gostei muitíssimo do filme, que conseguiu reproduzir fielmente o romance, mantendo a tensão e a perturbação provocados pela leitura. Os atores estão incríveis, com destaque para Olivia Colman, claro. Recomendo muito.
O filme foi lançado há uma semana, e muito já se escreveu sobre ele. Pensei em trazer somente esse "detalhe" da cena da praia, por enquanto, por ser uma metáfora do que trata a narrativa. Leda, a personagem, não quer ceder seu lugar - e não por intransigência. Ela sabe o que lhe custou mantê-lo, como foi difícil e sofrido sustentar sua posição na vida. Não é a primeira vez que faz isso, e sua determinação e coragem perturbam muita gente. Leda causa incômodo e perplexidade.
Elena Ferrante escreve nos aproximando do assombro, esse vizinho que gostaríamos distante, mas que está logo ali. O assombro de ser mulher, de ser mãe, de não ser mãe, de ser filha. O tema é incômodo. Livro e filme são tensos porque esses temas ainda são tensos. É preciso olhá-los com os olhos bem abertos, e nos ocuparmos de tentar ouvir o silêncio que reina sobre eles. O silenciamento impingido sobre eles, sobre as mulheres que quiseram falar. Sobre as mulheres que quiseram fazer esse gesto singelo e poderoso de mudar de lugar.
Publicada em janeiro de 2022, no Instagram
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