Mães de Adolescentes
- marietamadeira
- 17 de jan. de 2022
- 4 min de leitura
Atualizado: 16 de jun. de 2024
Recentemente comemoramos o Dia das Mães - e a data coincidiu com um episódio que me fez pensar nas mães, particularmente nas mães de adolescentes - dentre as quais me incluo. Nas férias de verão, minha filha de 14 anos foi quatro vezes ao cinema para assistir ao lançamento da animação dos Studios Disney em parceria com a Marvel chamado Big Hero 6. A repetição me intrigou, claro. Há poucos dias atendi seu pedido de assistirmos juntas ao filme – depois disso, consegui compreender seu interesse por ele. Aliás, a ficção é próspera em fazer ponte entre as gerações... assistir os filmes ou séries que ela e minha outra filha assistem, ouvir as músicas que as embalam, ler alguns livros que as apaixonam, tem sido ótimas maneiras de me aproximar delas, de melhor compreendê-las. E Big Hero 6 tem tudo a ver com este assunto.
Big Hero 6 conta a história de Hiro, menino de 14 anos que ficou órfão dos pais aos 3. Tadashi, seu irmão mais velho, trabalha com tecnologia, e criou um robô chamado Baymax, personagem central da história. Ele foi desenvolvido para ser um “agente pessoal de saúde”. Ao ouvir um “ai”, Baymax sai de sua “casinha” (algo semelhante a uma maleta de médico) e se coloca à disposição do paciente ferido. Mas ele é bem mais que isso – ele é adorável, apaixonante. Se parece com um grande marshmallow: branco, fofo, gordinho e doce.
Ao ouvir o “ai” que o convoca, Baymax pergunta ao paciente qual seu nível de dor, numa escala de 1 a 10. Em seguida, scaneia o paciente, localizando o ferimento (seja ele físico ou psíquico) e providencia a medicação adequada. Baymax, tal qual as mães de crianças pequenas, é afetuoso e preocupado com seu paciente e tem por princípio fazer o que for preciso para sanar sua dor. Ele é um cuidador e, como tal, traduz para seu paciente o que está acontecendo (“você caiu e machucou o pé”, “você deveria usar o cinto de segurança”, “você está confuso e isso faz parte de sua etapa do desenvolvimento, a puberdade!”).
Baymax diz obviedades, as mesmas que as mães adoram dizer, repetidamente. As mães dos adolescentes e púberes sabem como essas atitudes cuidadosas deixam os jovenzinhos profundamente irritados. Somos acusadas (muitas vezes justamente!) de sermos óbvias, excessivamente zelosas e obstinadas em empreender um cuidado que eles querem, nesse momento, dispensar.
Tadashi morre em um acidente, e Hiro herda Baymax. É interessante que o irmão mais velho tenha se ocupado precisamente em conceber um robô que cuida, órfão que era, e que é esse robô que vai cuidar de seu irmão menor. Na estreita convivência que passam a usufruir, Hiro ensina a Baymax gestos próprios de um adolescente, e o fofo robô passa a ser mais do que um cuidador – ele se torna um amigo. Em uma das cenas mais engraçadas do filme, e que diverte muito os adolescentes, Baymax fica com pouca bateria e comporta-se como se estivesse sob o efeito de uma bebedeira: tropeça, troca as palavras, diz bobagens – nesse momento, é Hiro quem cuida dele. Os dois aprendem um com o outro sobre o mundo estranho que habitam, assim como adolescentes e pais poderiam aprender uns com os outros sobre seus diferentes mundos.
Há duas dicas que tomei como preciosas nesse filme; dicas para uma mãe de adolescente. A primeira diz respeito à diferença entre os mundos dos adolescentes e dos adultos. Em dado momento, Tadashi diz a Hiro que para solucionar um problema é preciso ver as coisas por outro ângulo. Ora, o tempo da puberdade é um tempo de mudança de ponto de vista, literalmente: os filhos ganham corpo, crescem, passando a enxergar o mundo mais “de cima” (não raro tornam-se mais altos que os pais, fazendo com que seus olhares se cruzem na mesma linha). Também passam a experimentar mais liberdade, transitam de forma diferente pela cidade, encontram-se com questões antes mais distantes como o amor e o sexo. A linguagem também se altera brutalmente, a ponto de provocar dificuldades de compreensão: estranhamos suas gírias, eles estranham nossas palavras antiquadas. Por essas e outras, a recomendação de “ver por outro ângulo” é preciosa, vale dizer indispensável para que alguma comunicação aconteça. Os pais precisam conhecer a língua estrangeira de seus adolescentes, bem como tomar distância de seus corpos, antes tão próximos. Ouvir e olhar desde um novo ângulo. Eles não são mais crianças. É trabalhoso, mas pode valer muito a pena.
A outra dica consegue ser sutil e também direta. Baymax foi programado para voltar para sua casinha, desligando-se, quando o paciente pronuncia a frase “Estou satisfeito com o seu cuidado". Não é fácil para uma mãe suspender seus cuidados maternos, depois de tantos anos ocupada com eles. Colecionamos recomendações que acreditamos serem indispensáveis para que nossos filhos enfrentem a vida. Mas é preciso aprender a parar de cuidar quando os filhos se dizem satisfeitos (quando não cheios!) com nossas atenções. É preciso aprender a “voltar pra casinha”, dando a eles o voto de confiança de que precisam para seguirem seus caminhos. O que foi feito e dito, já está. Eles tomarão seu tempo para aprender, testando por si próprios tudo o que ensinamos. Eles vão dizer seus “ais” quando precisarem. E então podemos sair de nossa maleta e perguntar, com nosso afeto interessado, onde dói, e o quanto – nosso cuidado, desde esse outro ângulo, pode ser mais bem recebido. Nossos filhos agradecem. E nosso coração de mãe também.
Publicada no Jornal Sul21 em maio de 2015.
Comments