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Escute as feras

por Natassja Martin

tradução Camila Vargas Boldrini e Daniel Lühmann

Editora 34 - 2016





"Penso: um urso e uma mulher são algo grande demais como acontecimento."


Natassja Martin é antropóloga. Ela estuda o gélido Grande Norte, especificamente os povos even das montanhas Kamtchátka, na Rússia. Em uma expedição, acontece o impensável: ela encontra um urso, eles se olham nos olhos, ele morde sua cabeça. E ela sobrevive.


Escute as feras é o relato dessa experiência, a tentativa de Natassja de encontrar nela um sentido, de recompor o fio da meada de sua vida. A história é contada com idas e vindas no tempo: antes do encontro com o urso, a memória do acontecimento, a recuperação e os tratamentos a que se submeteu, e o tempo depois, que também é o hoje - o tempo da narrativa. Esse ir e vir nos permite acompanhar o processo de elaboração da autora - sabemos que, para elaborar, é preciso recordar, narrar, sonhar, narrar mais uma vez. Ir e voltar. A escrita será parte imprescindível dessa elaboração; a publicação do livro, nossa oportunidade de conhecer essa história.


O ir e vir se dá no tempo e também no espaço, entre a França e as montanhas russas com temperaturas de -25 graus. São dois mundos completamente diferentes, e acompanhar o trânsito de Natassja entre eles é vertiginoso. Para o povo even, sua sobrevivência ao encontro com o urso a transforma, ela passa a ser miêdka, meio a meio. Meio mulher, meio urso, um ser que carrega significados e superstições. E Natassja, o que consegue dizer dessa fusão dos dois mundos que habita em seu próprio corpo? Ela escreve, pois é fábula, é metamorfose, está no tempo do mito. Enquanto aguarda ajuda após a mordida, em meio à neve manchada de sangue, ela pensa: "é um nascimento, pois claramente não é uma morte."


Me chamou a atenção o "escute". Escutar é se deixar atravessar, como faz Natassja. Pelo acontecimento, pelo antes e pelo depois. Escute.



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