Festa
- marietamadeira
- 18 de mar. de 2022
- 4 min de leitura
Atualizado: 31 de mai. de 2022
Água. Preciso de água. Eu já sei que preciso tomar água quando bebo em festas, de preferência na mesma proporção do que eu beber de álcool. Mas é difícil fazer essa conta depois de algumas doses, ou de alguns copos. Sem falar que fico precisando ir ao banheiro direto, e sabe como é banheiro feminino em festa: demorado pra caramba, a pessoa corre o risco de passar mais tempo na fila do banheiro do que na festa, e... Foco, Isa. Foco. Água, era o que tu ia buscar. Vai precisar sair da piscina, por aquela escadinha complexa. E tua saia é curta. Gente, como foi mesmo que eu vim parar dentro dessa piscina vazia?
Quase não acreditei quando cheguei aqui com a Bia. Ela falou que ia ter uma festa na casa dos pais de uns amigos que vai ser vendida, e eles queriam fazer uma despedida do lugar. Chegamos e era um casarão muito antigo, parecendo até abandonado, plantado no meio de um grande pátio. Entramos por um portãozinho lateral, já tinha bastante gente mas não demais, um clima bem descontraído, Bob Marley cantando Is this love, is this love that I'm feeling? A temperatura era super agradável, uma lua crescente no céu de poucas estrelas da cidade grande.
Assim que vimos a piscina, a Bia se entusiasmou toda: claro que a gente vai pra dentro dessa piscina, imagina se não! Jamming, I wanna jamming with you – e me puxou e desde então tô dançando reggae dentro de uma piscina vazia. Eu pensei que fosse mudar a seleção musical, que fosse tocar um rock brasileiro, sei lá, mas pelo visto vai ser reggae direto. É fácil dançar reggae. Seria mais fácil se não fosse esse chão de azulejos escorregadio e em declive. Ou aclive? tudo depende da perspectiva. Que palavra engraçada, aclive. Fora da piscina também tem gente dançando, and I hope you like jamming too.
Água. A Bia vem vindo com uma cerveja. Aquele cara chato segue me olhando. Chegou em mim há pouco com um papo bobo, sem nenhuma criatividade: “Onde tu estuda?” Que preguiça. Eu precisaria desenvolver toda uma conversa, contar que cheguei faz pouco na cidade grande, estudei no interior, etc. Se ele fosse mais interessante é claro que eu contaria tudo, deixando silêncios entre as frases para ele perguntar, se interessar, usaria minhas poucas táticas de sedução. Se fosse aquele carinha encostado na figueira, que eu enxergo daqui... – será que ele acha que a figueira vai cair se ele sair dali? Não arredou pé, ainda. Nem entrou na piscina pra dar uma dançadinha. Pena.
A cerveja tá meio quente. Pergunto pra Bia se aqui é comum uma festa como essa, em que só toca reggae e se dança dentro de uma piscina. Ela achou graça da minha pergunta, sei que ela me tira pra menina-ingênua-recém-vinda-do-interior (e eu sou mesmo), mas sinto que ela gosta bastante de mim. Simpatizamos uma com a outra desde o primeiro dia de aula, e ela logo começou a me convidar pra sair. Me chamou pra irmos ao cinema, pra encontrar uns amigos dela no parque no domingo. Até agora tinham sido uns programas menos diferentes - embora tudo seja um pouco diferente pra mim nessa cidade. Eu aceito todos os convites da Bia, do Guto e também da Rosana, porque eles me parecem bacanas, têm sido acolhedores e eu quero muito me entrosar com as pessoas.
Vou buscar água, aproveito e passo pelo cara da figueira. Aviso a Bia, que pisca pra mim com aquela carinha fofa dela. Me dou conta de que isso de ficar avisando onde eu vou é mania de menina do interior. Ou é mania minha, mesmo? O Guto entrou na piscina, chegou empolgado e dançando. Three little birds...é gostoso dançar reggae o tempo todo. Bem gostoso. Como o cara da figueira. Tem umas meninas ali em volta dele dançando meio freneticamente, fora do ritmo da música. Tentando ser sedutoras, pelo visto. Ele olha pra elas curioso, talvez surpreso. A cena é esquisita de ver, mas elas estão curtindo. Então tá valendo.
Mostrei a cena pra Bia. Mas ela não é de ficar olhando as outras pessoas. Acho que isso também é coisa de gente provinciana como eu. Preciso tomar água, tô ficando bêbada. E preciso ir ao banheiro. Paradoxos. Foco, Isa: escadinha, banheiro e por último a água. Ainda bem que não uso salto, que subir nessa escadinha de salto e saia curta ia ser o ó. O bonito da figueira ficou me olhando. Só não sei se me achou interessante ou desajeitada saindo da piscina. As meninas em volta dele estão mais empolgadas, e chegaram mais dois carinhas na roda. A empolgação só aumenta, cantam juntos, erguendo braços de luta: get up, stand up, get up for your rights.
Volto do banheiro aliviada, uma garrafinha de água na mão. Sair um pouco dá uma despertada na pessoa. Passo por um casal que dança de um jeito muito bonitinho. Depois por duas meninas que parecem estar numa conversa séria, destoando do clima. Tem outras duas se beijando, sentadas na grama. A lua no céu parece um sorriso. Tenho aquela sensação de final de festa: um pouco triste, um pouco cansada. Vontade de que durasse mais, vontade de tirar essa roupa, comer alguma coisa e deitar na minha cama. Vejo de longe a figueira, agora solitária.
Chego perto da piscina, a Bia segue dançando...one love, one heart. Será que vou encarar a escadinha de novo? Tem um ventinho tão bom aqui em cima. Opa! O deus grego da figueira agora tá dentro da piscina também, dançando com a galera...let 's get together and feel all right. Feeling muito all right, ele tirou a camiseta fazendo uma cena, devagar, deu aquela giradinha acima da cabeça e jogou no chão. O pessoal da roda vibra – agora que eu vi: uma delas já tava com a blusa toda aberta. Tem mais umas roupas no chão - o que foi que eu perdi enquanto fui ao banheiro? Sento na beira da piscina, as pernas balançando pra dentro, tomando minha água. Não tô acreditando, ele abriu a calça, uma das meninas agora tirou o vestido e dança só de calcinha. A outra ainda tá de bata, mas só. A Bia nem percebeu o que tá acontecendo, tá de costas. Que espetáculo!
Me dá vontade de descer e dançar com eles. Seria libertador. Cerveja, preciso cerveja. Será que tem alguma coisa um pouco mais forte pra beber?
junho 2021
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